Oficina Literária

Oficina Literária é uma disciplina do TEL ministrada pela professora Elizabeth Hazin

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sonho da Ludmilla

Todas as luzes do mundo, apagadas. Só a luzinha que emana do corpo de cada uma menina, fios trançados no ar saindo de dentro daqueles sonos, ilumina.

O teto descolado das paredes começa a subir. Não descola um lustre de vidro que sobe também, agora sem brilho porque a luz apagada. Meus olhos no lustre, as paredes sem teto do quarto embaixo e a cama. Alguém dormindo, diminuindo diminuindo. Embaixo do cômodo a casa e a rua, menores, ruídos de paredes ruindo, duas ainda em pé flutuam no espaço escuro e cinza. Afastam. Da superfície, tudo começa a soltar-se em níveis, lentos, subindo; ruem alicerces e raízes de todos os chãos. Na cama o corpo ou a sombra do corpo. Vejo do alto, vejo a frente e as costas de quem dorme irreconhecível, e diminui mais, mais rápido, menor, tão veloz vira um ponto luminoso, desvia dos olhares de cada parede voando, vai. Tudo escurece.

Dormem profundas. Um tenso movimento aproxima seus fios, hesitantes ainda em convergir no ponto. Respiram pesadas, como faltasse o ar.

Uma sala muito branca, muito branca, não sei se enorme. Se são paredes, lençóis ou gigantes folhas de papel, não sei, sua brancura em volta engole sofás lustres e mesas, todos os objetos, sem formas, seus volumes perdidos, engolidos no branco. Um balde de tinta alcança-me as mãos, vem um pincel, dispara a ação e uma mancha. O risco rasgando o branco escorre a sangue. Há espaços de segundos e tenho um balde amarelo, comigo o pincel faz novo risco. Não vejo o lugar das tintas, não intuo a que vêm ou o onde em que desaparecem. Intervalos mais rápidos, mais escuros, envolvem a tudo em sombras, cinzas, cores de escuro, de novo o branco e outro balde de tinta nas mãos. Abandonam-me o pincel e os traços. Joga o balde a tinta na parede, eu segurando o balde, o conteúdo verde escuro, seguem gradações de verde e seus barulhos lançados no quadrado. Outro universo, pairando, abriga vozes e rostos translúcidos, ganha volume uma música. Vêm os azuis, outros sons. Tilintam esparramadas cores, espessas cordas, dedilhados os traços a quantas mãos?, acordes pintados, pintando, não é a formação de cores a intenção última dessas tintas. O contato ritmado, cadente, cada tinta um som. As manchas ressoam, eu segurando os baldes, quem faz a música? Vem outro vermelho, passa por mim e atira no canto concentrado de amarelos e laranjas. O estrondo maior. Tudo: silêncio cinza.

Afundam, imersas nos sonos. O espaço escuro é do tamanho da vida. Tudo que já se viu ou tocou está lá, no dentro do sonho, tudo e as pessoas.

... não encontro portas fechando a passagem, erro as entradas e saídas como se não fosse minha a casa. O corredor anda em voltas, dobras, o corredor infinito. Há um retrato familiar de alguém que nunca vi e que me olha, sabendo-me. O corredor avança seu traço, trazendo outros retratos e seus nomes, tão habituados ao meu chamado, acompanham rostos estranhos. Evoco a foto mais próxima e um retrato trocado, longe, responde. Nomes desprendidos de pessoas foram juntar-se a outras, nomes perdidos de donos, soltos das faces, subtraídos das ações. Nenhuma voz habita a conversa de lá, ninguém toca a música vinda das paredes ou de cima. Os passos que alguém deixou continuam, sozinhos, seu curso. Embaralhado no corredor o caminho, o caminho indo, embaralhando-me, eu a embaralhar-me-ando mais. Cada passo traz uma moldura preenchida, quadros de tinta fresca escorrendo gritos harmoniosos. Meus passos ecoam os passos de alguém, atrás. Surgem espelhos e janelas em outras paredes, surgem e não iluminam o ambiente opaco. Eu, e tudo, em cores de sombra. O caminho é apressado pela presença atrás, passa sem ver os reflexos nos espelhos ou que vistas das janelas. Corro, o ar pesado e escasso. Respiram quadros paredes desconhecido e caminho, respiram o ar não renovado que diminui e pesa. Falta o ar da corrida, falta ar, corro, o ar. Sem ar, (). Ando. O caminho me arrasta até parar em frente a outra parede, seu espelho e janela. Ainda sinto o corpo atrás de mim, à espreita, não consigo mover o caminho e a parede escura, lenta, se aproxima. Da janela aberta, o mundo nos ares: ruas, construções, árvores, arquipélagos, animais florestas pensamentos elevados, desviando de nuvens. O mundo suspenso. Vira, mirando-me, o espelho, mas não mostra meu rosto, rosto nenhum de gente. Reflete o incomum corpo que me segue, me olha sem olhos e sem pernas vem vindo, aproximando. Nada vejo e é uma visão, sim, porque vejo, não sei dizer, mas vejo, e sei, no escuro. No escuro, há um limiar. Aquela presença é a consciência saltada de seu corpo.

Os fios de dentro dos sonhos saem, aceleram, unem entre as sombras e desviam voando, vão. Os fios pra dentro do sonho mergulham, abrem um buraco e o espaço enorme agora desfeito em denso líquido gira, escoa veloz e verde segue girando, ressoa ecos da música, escoa em círculos, regira no escuro, vai. Despertam de um salto as três meninas.

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