Meu bem, minha noiva querida, espero que entenda que eu preciso fazer este último vôo antes de aceitar o emprego que seu pai me ofereceu no escritório. Vou, mas voltarei pensando em você, pois escolhi não ser como meu pai. Eternamente seu,
Meu bem, minha noiva querida, espero que entenda que eu preciso fazer este último vôo antes de aceitar o emprego que seu pai me ofereceu no escritório. Vou, mas voltarei pensando em você, pois escolhi não ser como meu pai. Eternamente seu,
(Para Portinari)
"Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de bailarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! 0 amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol."
Jorge de Lima
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