Oficina Literária

Oficina Literária é uma disciplina do TEL ministrada pela professora Elizabeth Hazin

quinta-feira, 19 de março de 2009

Texto do Fred

Acordei de um sonho bom, não lembro o que sonhava, só lembro que era bom. Meu sono era pesado, hoje ainda é _ quando eu durmo, o que já não é tão freqüente. Naquele dia, despertei com o fechar da porta da sala, mas o que me tirou da cama foi o soluçar de mamãe. Não, não sabia que algo de errado acontecera. Até hoje não sei. Mamãe havia saído do banho minutos atrás, seus cabelos negros e curtos ainda estavam muito molhados, como os seus olhos quando me viu. Na verdade, presumo que chorava, pois só lembro-me do cheiro do bolo recém preparado na cozinha e do brilho da água nos fios escuros daquela que me sobrava. Meu pai morrera. Eu tinha treze anos e mamãe uns trinta. Casaram-se cedo. Eu nasci pouco depois. Não sei se amavam um ao outro, mas a lembrança do cabelo de mamãe me faz crer que sim. Não tive medo de viver sem meu pai, vivera até ali sem outra presença que não a do dinheiro que ele enviava em envelopes parecidos com o em que mamãe recebera a notícia. O carimbo da companhia de trem era o mesmo para todas as cartas. As cargas eram sempre “tratadas com zelo e respeito”. O medo me encontrou minutos depois, quando mamãe disse que eu era o último que restava para ela. Eu tinha treze anos e uma vida dependendo de mim. Decidi, como muitos já decidiram antes, que não morreria. Nunca mais entrei em um trem, uma ferrovia sempre me lembrava os cabelos molhados de mamãe. Escolhi não ter a certeza da morte grudada em trilhos; escolhi voar.

Meu bem, minha noiva querida, espero que entenda que eu preciso fazer este último vôo antes de aceitar o emprego que seu pai me ofereceu no escritório. Vou, mas voltarei pensando em você, pois escolhi não ser como meu pai. Eternamente seu,

Vicente.

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